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Por Úrsula Neves, da Agência Einstein 

Mudanças frequentes de humor, impulsividade e instabilidade nas emoções e nos relacionamentos estão entre as características do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). A pessoa com esse diagnóstico geralmente apresenta uma hipersensibilidade em suas relações e um medo intenso de abandono.

“É um padrão de personalidade que se mostra diferente da maioria das pessoas de um modo geral. Esses indivíduos vivem relacionamentos intensos e instáveis com características impulsivas, rompantes ou oscilações de humor muito bruscas e intensas”, explica Ricardo Jonathan Feldman, que atua como psiquiatra e professor de pós-graduação e residência no Hospital Israelita Albert Einstein, além de ser fundador do Centro Feldman de Saúde.

“Com isso, surgem problemas de relacionamento interpessoais e de autoimagem. Basicamente, é uma alteração de como a pessoa lida com as adversidades, com o estresse, com ela mesma e com os outros”, complementa o psiquiatra.

Apesar de não existirem dados sobre a prevalência no Brasil, estima-se que entre 1,5% e 3% da população mundial sofra desse transtorno de personalidade, que afeta tanto homens quanto mulheres. Especialistas, no entanto, apontam que esse número pode estar subestimado, uma vez que muitos casos permanecem sem o diagnóstico correto.

(Imagem ilustrativa/Freepik)
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Como é realizado o diagnóstico? 

O psiquiatra é o profissional médico que deve analisar o histórico e o padrão de funcionamento que acompanha a pessoa desde a adolescência até o momento atual, incluindo as suas vivências. 

“Para conseguir o diagnóstico correto, é necessário que o psiquiatra crie um vínculo de confiança com o paciente para entender melhor todo o processo, suas emoções, medos e angústias. A entrevista com familiares e amigos próximos também pode ser incluída no processo, auxiliando na busca pelas informações necessárias para o diagnóstico”, diz Feldman. 

É importante saber diferenciar os sintomas de Transtorno de Personalidade Borderline de sinais em decorrência dos efeitos de drogas ou mesmo problemas de identidade, comuns na infância ou adolescência. 

“Para realizar o diagnóstico correto de Borderline, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais indica que o paciente deve apresentar, pelo menos, cinco de nove características apontadas. Isso é muito interessante porque se temos cinco itens a serem preenchidos, imagine só quantas combinações são possíveis. São 256 combinações possíveis, 256 tipos de pacientes diferentes com variações diferentes”, afirma o psiquiatra e psicoterapeuta Erlei Sassi Júnior, coordenador do Programa Transtornos de Personalidade e do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). 

“Temos uma quantidade enorme de pacientes que podem compartilhar o mesmo diagnóstico, mas também podem apresentar características potencialmente diferentes. Portanto, é muito importante que o profissional consiga enxergar cada pessoa e não apenas a doença”, diz Sassi Júnior.

Então, pacientes com TPB devem apresentar, no mínimo, cinco das nove características a seguir, conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais:

  1. Esforços desesperados para evitar algum episódio de abandono real ou imaginário; 
  2. Padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos com alternância entre extremos de idealização e desvalorização da pessoa dentro do relacionamento; 
  3. Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si;
  4. Impulsividade em, no mínimo, duas áreas potencialmente autodestrutivas, como gastos excessivos, sexo desprotegido, abuso de substâncias ilícitas, direção irresponsável no trânsito ou compulsão alimentar; 
  5. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou automutilantes;
  6. Instabilidade afetiva em decorrência a uma acentuada reatividade de humor;
  7. Sentimentos duradouros de vazio;
  8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la;
  9. Pensamentos paranoicos transitórios associados a episódios de estresse ou sintomas dissociativos intensos, como problemas de memória, identidade, emoção, percepção, comportamento e senso de si.

“Quanto mais cedo começar o tratamento, melhor para o paciente. A partir dos 14 anos já dá para identificar melhor os sintomas e investigar os possíveis fatores ambientais (relações, traumas, hábitos de vida, etc.) que possam estar contribuindo para o desequilíbrio das emoções”, complementa o psiquiatra e psicoterapeuta.

Principais características e sintomas

Um dos sintomas mais significativos do TPB é o medo intenso do abandono, abrindo espaço para sentimentos de pânico ou raiva que podem ser desencadeados por situações cotidianas normais, como um atraso na resposta de um amigo a uma mensagem, por exemplo. Ao se sentirem rejeitadas, essas pessoas reagem de forma intensa e, por vezes, agressiva.

A recorrência de comportamentos, gestos e ameaças suicidas ou automutilantes é também parte dos sintomas apresentados por pessoas com TPB. Outra característica é a forma dos relacionamentos, que tendem a ser instáveis e intensos, oscilando entre extremos de idealização e desvalorização. Em outras palavras, essas pessoas mudam rapidamente de opinião em relação aos outros.

“Mais um traço marcante é a mudança brusca da percepção de si mesmo e da própria identidade, o que leva a mudanças frequentes de objetivos, valores, opiniões, carreiras e até grupos de amigos. Muitas vezes, essas pessoas têm a sensação de estranhamento sobre si mesmos. Com muita frequência, relatam sentir um ‘vazio crônico’. Apresentam humor instável, oscilando entre irritabilidade, ansiedade, tristeza e alegria, com alterações que podem durar poucas horas ou até mesmo alguns dias”, afirma Feldman, do Einstein. Segundo ele, outra característica é a dificuldade em lidar com o próprio êxito, muitas vezes se autossabotando quando estão prestes a alcançar um objetivo.

Os especialistas pontuam que é difícil definir o início do transtorno, uma vez que o processo vai surgindo no decorrer do desenvolvimento da personalidade da pessoa. 

“Em geral, os sintomas ficam mais visíveis na adolescência e no início da idade adulta, podendo até mesmo regredir nos indivíduos com mais idade, sempre contando com o valioso e indispensável recurso da psicoterapia”, diz Sassi Júnior.

Causas e fatores envolvidos 

As causas ou fatores envolvidos no surgimento do Borderline são variados, desde a predisposição genética a episódios estressantes na infância. “São muito recorrentes no histórico desses pacientes situações traumáticas, como abusos físicos, verbais e sexuais, com negligência por parte de pais e/ou cuidadores”, explica Feldman.

Episódios como a separação ou a morte de um dos pais, especialmente durante os primeiros anos de vida, ou o nascimento de um irmão ou irmã, podem servir como gatilhos emocionais. Embora, à primeira vista, essas separações e mudanças possam parecer insignificantes, elas têm efeitos profundos em indivíduos que já possuem alguma predisposição genética para o transtorno.

Tratamento, remissão e manejo dos sintomas 

Jerold J. Kreisman, psiquiatra e pesquisador, e Hal Straus, escritor e pesquisador, afirmam que, apesar do estigma e do desconhecimento geral, os avanços nas pesquisas, terapias e medicamentos indicam grandes chances de sucesso, seja na remissão dos sintomas ou no seu gerenciamento.

“Assim como não se reconhece um remédio único como melhor que os outros para tratar todos os pacientes de TPB, ainda não ficou demonstrado que alguma abordagem terapêutica seja a melhor para todos”, eles escrevem no livro “Eu te odeio, não me deixe: Como entender as pessoas com Transtorno da Personalidade Borderline e aprender a se relacionar com elas”, em que são autores juntos.

“Embora a psicoterapia seja o principal tratamento reconhecido para o paciente borderline, a maioria dos métodos traçados contempla o uso de medicamentos. Apesar de ainda não existir um único remédio que trate todos os aspectos do TPB, a medicação é útil para amenizar os sintomas associados (como antidepressivos para depressão) e domar características voltadas contra si mesmo, como a impulsividade”, afirmam em um outro trecho.

Os especialistas afirmam que, atualmente, o prognóstico é mais positivo do que se pensava algumas décadas atrás, mas ainda não existe uma cura definitiva para todos os indivíduos com transtorno borderline. No entanto, eles agora reconhecem que, apesar de toda a instabilidade e sofrimento que essas pessoas causam a si mesmas e aos seus conhecidos, o curso do transtorno não é tão negativo como se pensava anteriormente. “Eu diria que é totalmente possível conseguir ‘pequenas curas’ com a remissão dos sintomas. Já vi isso acontecer com alguns pacientes. Através do acompanhamento psicoterapêutico, o indivíduo com borderline aprende novas maneiras de lidar com suas emoções e situações, que antes eram sentidas como fim da vida”, conclui Sassi Júnior.

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