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Candida auris: saiba o que é o ‘superfungo’ que causa preocupação global

Entre maio e junho deste ano, foram nove casos apenas em Pernambuco; São Paulo registrou o primeiro em um bebê prematuro de Campinas

Por Gabriela Malta

Conhecido como “superfungo”, o Candida auris (C. auris) tem causado preocupação em escala global devido à sua disseminação e resistência aos medicamentos antifúngicos. Somente entre maio e junho deste ano, nove casos foram confirmados em Pernambuco. O registro mais recente no Brasil foi reportado em 8 de junho, no Hospital da Mulher da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), envolvendo um bebê prematuro. Esse é também o primeiro e único caso da história de São Paulo, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde. 

No Brasil, a primeira infecção foi identificada em Salvador, em 2020. A superlotação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19, juntamente com a redução da capacidade dos serviços médicos de seguir as boas práticas de controle de infecções, facilitou o surgimento do fungo naquela época na capital baiana. Ao todo, desde então, foram registrados pelo menos 77 casos de Candida auris no país.

“No início da pandemia, as UTIs ficaram lotadas de pacientes que já tinham doenças crônicas como, por exemplo, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes, entre outras. Esses pacientes ficavam muito tempo em terapia intensiva, com cateter em posição central, recebendo ventilação mecânica e todo tipo de medicação antibiótica e antifúngica. Nesse contexto, o Candida auris aparece no Brasil”, explica Arnaldo Lopes Colombo, professor titular da disciplina de infectologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).  

Colombo afirma que, na época da identificação desses primeiros casos, nenhum dos pacientes tinha histórico de viagem. “Era uma época de pandemia, então concluímos que foram casos autóctones, ou seja, os pacientes entraram em contato com o fungo que estava presente no ambiente. Retidos no ambiente hospitalar, com todas as complicações já mencionadas, eles passaram de colonizados para infectados”, explica.

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o hospital onde ocorreu esse primeiro surto de C. auris implementou todas as medidas para vigilância e contenção da disseminação do fungo. Após todas as ações realizadas, não foram mais relatados casos de C. auris no serviço de saúde. 

Ainda de acordo com a Anvisa, em dezembro de 2021, um ano após o primeiro surto, foi confirmado um novo caso em uma amostra de urina de um paciente internado em um hospital em Salvador, na Bahia, caracterizando um novo surto. As medidas de precaução e controle também foram implementadas pelo hospital, e o surto está classificado como controlado, pois não foram registrados novos casos. 

Pouco tempo depois, em janeiro de 2022, um hospital em Recife, Pernambuco, notificou uma nova suspeita. Ao todo, foram 47 casos, caracterizando, então, o terceiro surto de C. auris no Brasil. Ele está em fase de monitoramento devido à complexidade do evento, apesar de o último caso positivo ter sido identificado há mais de 8 meses.

Infecção de difícil controle

O Candida auris não faz parte da microbiota humana, mas está presente no ambiente e representa perigo porque pode causar surtos em estabelecimentos de saúde.

“Além de resistir a altas temperaturas, ele é resistente a desinfetantes muito utilizados em ambientes hospitalares como quaternários de amônia, por exemplo. Essas características fazem com que ele se impregne no ambiente de forma muito forte”, explica o infectologista Filipe Prohaska, do Complexo Hospitalar da Universidade de Pernambuco (UPE).

Segundo Colombo, é possível que o fungo sobreviva na pele ou nas mucosas de uma pessoa saudável sem causar problemas à sua saúde. Dessa forma, ele pode ser transportado do ambiente para os hospitais. Os pacientes que já estão internados por outros motivos podem entrar em contato com o fungo e serem infectados, pois, de acordo com os infectologistas, estão com o sistema imunológico fragilizado e expostos a antibióticos e procedimentos médicos invasivos.

“No ambiente de terapia intensiva, aproximadamente 20 a 25% dos pacientes que entrarem em contato com o fungo serão infectados”, afirma Colombo. Outros fatores de risco incluem o uso de imunossupressores, antibióticos de amplo espectro ou antifúngicos, cirurgia recente e doenças crônicas como diabetes e doença renal crônica.

Outra característica que torna o C. auris super-resistente é a sua capacidade de aderir tanto a tecidos vivos quanto às superfícies inertes, como dispositivos médicos. Por isso, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão de saúde dos Estados Unidos, equipamentos médicos podem ser veículos de transmissão.  

Segundo Prohaska, a presença de dispositivos médicos permanentes que perfuram a pele, como cateteres venosos centrais, pode atuar como uma porta de entrada para o fungo na corrente sanguínea dos pacientes. Caso o fungo alcance o sangue, ele pode se espalhar para outros órgãos e causar candidíase invasiva, ou seja, uma infecção generalizada. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, a taxa de mortalidade da candidíase invasiva varia de 29% a 53%.

Quando os fungos viram um problema?

Os seres humanos podem conviver de forma harmoniosa com fungos do gênero Candida, ou seja, com eles habitando a pele ou o intestino. No entanto, quando ocorrem alterações nos mecanismos de defesa do organismo, os fungos podem causar infecções e afetar a saúde do paciente. A maioria das infecções por Candida em seres humanos é causada por Candida albicans, que provoca candidíase genital em mulheres e homens, sapinho e dermatite de fralda em crianças, e é pouco resistente a medicamentos.

A levedura Candida auris, por outro lado, é uma espécie de fungo com um grande potencial para desenvolver resistência ao tratamento com medicamentos antifúngicos. Algumas cepas de C. auris isoladas de pacientes admitidos em hospitais com uma longa história de convívio com esse agente, localizados nos Estados Unidos, Índia e África do Sul, entre outros, tornaram-se resistentes a todas as três principais classes de fármacos antifúngicos existentes (polienos, azóis e equinocandinas).

Além da resistência a medicamentos, o Candida auris preocupa por sua capacidade de se adaptar ao ambiente hospitalar e persistir contaminando superfícies, podendo ser transmitido a pacientes. Diferente das demais espécies de fungos presentes na natureza, que não sobrevivem a temperaturas acima de 36,5°C, ele suporta temperaturas entre 37°C e 42°C. 

“A incapacidade da maioria dos fungos de sobreviverem a temperaturas acima de 36,5°C, que é a temperatura do nosso corpo, efetivamente nos confere um mecanismo de defesa para fungos que estão no ambiente. Mas com as mudanças ambientais e o aquecimento do planeta, acaba-se criando uma incubadora de novas espécies, que recrutam uma série de mecanismos adaptativos para sobreviver”, explica Colombo.

“Nesse processo, alguns vitoriosos vão chegar a ter capacidade de sobreviver e se multiplicar em condições de estresse maior, seja alta salinidade, alta temperatura ou baixo pH. Então, esses micro-organismos começam também a ganhar atributos de virulência, infectando plantas e outros animais como insetos e répteis. Assim, eles vão ganhando ‘musculatura’ para infectar o homem. Isso aconteceu com o Candida auris”, completa.

Diagnóstico é difícil

A prevenção da colonização e a vigilância são fundamentais para monitorar pacientes com risco de infecções por Candida auris. A maioria dos infectados já está doente e, por isso, o diagnóstico é complexo. Os sintomas comuns da candidíase invasiva, de acordo com o CDC, são febre e calafrios que não melhoram após o tratamento com antibióticos, além da ausência de infecção bacteriana.

No entanto, apenas um teste de laboratório pode diagnosticar a infecção por C. auris. Colombo explica que, dependendo do método utilizado no exame, o fungo pode ser erroneamente identificado como outras espécies de Candida.

“Somente um exame de sequenciamento genético ou de espectrometria de massa, que analisa as proteínas do microrganismo e as compara com curvas-padrão de diferentes micro-organismos, as chamadas assinaturas biológicas, podem confirmar ou não a presença de Candida auris na amostra”, diz. 

Segundo o infectologista, menos de 5% dos laboratórios disponíveis nos hospitais públicos e uma grande parcela de centros privados são capazes de fazer a identificação analisando assinatura biológica com base em perfil protéico total do micro-organismo ou sequência de DNA. 

Hospitais com casos suspeitos que não possuem a tecnologia necessária para fazer as análises devem procurar laboratórios de referência para realizar o diagnóstico. A Anvisa mantém um documento atualizado com orientações para identificação, prevenção e controle de infecções por Candida auris em serviços de saúde. Casos suspeitos e confirmados devem ser encaminhados à agência reguladora.

Caso haja suspeita de colonização ou infecção por Candida auris, os pacientes devem ser mantidos isolados, em quartos individuais sempre que possível.  Se isso não for possível, o hospital deve definir uma área específica para internação de pacientes colonizados ou infectados por C auris, mantendo uma distância de pelo menos um metro entre os pacientes. 

Os hospitais devem, ainda, aumentar a frequência de limpeza e desinfecção de superfícies do ambiente e orientar equipe médica sobre troca de equipamentos de proteção individual (EPIs) e realização obrigatória de higiene das mãos ao prestar assistência entre um paciente e outro. A Anvisa possui uma tabela com princípios ativos e métodos com indicação de eficácia contra a Candida auris.

Tratamento 

“Quando há infecção, o risco de letalidade é alto porque você não tem muitos medicamentos disponíveis e o paciente já tem fatores de risco envolvidos. O que a gente faz para tratar são combinações de antifúngicos diferentes, mas o problema é que esses medicamentos são muito tóxicos para os seres humanos. Imagine a combinação de dois? Então, estamos sempre colocando na balança o benefício da terapia com a toxicidade do tratamento”, diz Prohaska.

Uma boa notícia é que, segundo o infectologista, no último Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas, que aconteceu em Copenhague este ano, foram apresentadas duas novas classes de antifúngicos ainda não comercializadas, cujas pesquisas mostraram sucesso no tratamento de Candida auris. “Há muito tempo não se via o surgimento de novas classes de antifúngicos e este ano fomos apresentados a duas novas, que devem ser desenvolvidas. É uma boa notícia, mas também nos leva a pensar que, quando essas duas classes chegarem, pode ser que controlem a Candida auris, mas qual será a nova espécie resistente que surgirá em seguida? Com bactérias é assim, um novo medicamento é lançado, utilizamos, mas logo surgem bactérias resistentes. Não deve ser muito diferente com fungos, esses microrganismos se adaptam muito rapidamente”, pondera.

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