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Caso Abin: Contrato de programa espião com Governo Caiado, em Goiás, previa 10 mil acessos

Contrato da Cognyte incluía programa espião First Mile, usado pela Abin para monitorar pessoas no governo Bolsonaro

(Foto: Isac Nóbrega/PR)

Por Texto: Rubens Valente, Laura Scofield, Caio de Freitas Paes | Edição: Ed Wanderley

O contrato entre o governo de Goiás, na gestão de Ronaldo Caiado (União), e a empresa israelense Cognyte permitia 10 mil acessos pelo programa First Mile num prazo de 24 meses a contar de junho de 2021, segundo documentos obtidos pela Agência Pública. O uso do programa pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) está sob investigação da Polícia Federal que, na sexta-feira (20), desencadeou a Operação Última Milha.

O First Mile permite acompanhar a movimentação de uma pessoa que esteja usando um telefone celular. A PF investiga se o programa foi usado por servidores da Abin para acompanhar os passos de políticos, jornalistas, advogados ou críticos do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). A vigilância em massa por essa mesma empresa foi detectada em países como Mianmar e Sudão do Sul.

O governo de Goiás contratou em 2020 a Cognyte (então denominada Suntech S/A) pelo valor de R$ 7,6 milhões por meio da Secretaria de Segurança Pública. O contrato diz genericamente que se tratou de uma “aquisição de solução de interceptação telefônica”. Na segunda quinzena de setembro, a Pública solicitou, por meio da Lei de Acesso à Informação, acesso à execução do contrato, incluindo as notas fiscais, para tentar entender todo o alcance e a capacidade dos programas oferecidos pela Cognyte.

No dia 3 de outubro, ou seja, após a solicitação da Pública, o delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Gustavo Corteza Ganga, classificou as informações solicitadas pela reportagem como “reservadas” por 5 anos. Com isso, só poderão ser conhecidas a partir de 3 de outubro de 2028.

No despacho, que determinou o prazo de sigilo, o delegado argumentou: “Trata-se de informações que possibilitaria ações direcionadas pela criminalidade, a neutralização de ações de inteligência e investigação; além do planejamento de novos crimes esquivando-se da atuação da polícia judiciária, bem como fragilizando o banco de dados referente à emissão de carteiras de identidade no estado de Goiás, comprometendo a segurança do Estado e da sociedade”.

Delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Gustavo Corteza Ganga (Foto: Grupo Tático da Polícia de Goiás)
Delegado-geral da Polícia Civil de Goiás, André Gustavo Corteza Ganga (Foto: Grupo Tático da Polícia de Goiás)

Pública procurou a SSP de Goiás nesta terça-feira (24) novamente com dúvidas sobre o contrato, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.

Em junho de 2021, o governo goiano fez um aditivo ao contrato de 2020 a fim de estender a validade dos acessos no First Mile por mais dois anos. Desde o começo, o negócio foi conduzido a partir de uma declaração de inexigibilidade de licitação, ou seja, o governo considerou que não havia outra empresa capaz de oferecer os mesmos produtos e serviços além da Cognyte.

O contrato e seu aditivo confirmam que o First Mile, também identificado como “Firstmile Vigia Embedded e Standalone”, estava na cesta de produtos oferecida pela empresa israelense. O uso da ferramenta, segundo o contrato, custou R$ 2,2 milhões aos cofres públicos do valor total de R$ 7,6 milhões.

Além do First Mile, o contrato prevê o acesso a uma ferramenta denominada “Vigia Elite Advanced Version”. Os dois programas estão inseridos numa atividade genérica de “solução de interceptação telefônica e telemática”.

O contrato e o aditivo de Goiás nada esclarecem sobre a real capacidade das ferramentas. Na cláusula quinta do contrato, o governo estadual “reconhece que as informações contidas no Sistema e no Software Licenciado constituem segredos comerciais valiosos e pertencentes à Suntech [Cognyte], devendo proteger e manter confidenciais tais informações, e se compromete a não realizar nenhuma tentativa de cópia, alteração, mau uso ou violação de tais informações”.

Sob Caiado, governo de Goiás contratou em 2020 a Cognyte (então denominada Suntech S/A) pelo valor de R$ 7,6 milhões (Foto: Beto Barata/Agência Senado)
Sob Caiado, governo de Goiás contratou em 2020 a Cognyte (então denominada Suntech S/A) pelo valor de R$ 7,6 milhões (Foto: Beto Barata/Agência Senado)

Além de Goiás, o Amazonas também contratou a ferramenta Vigia Elite, como a Pública apurou a partir de publicação no Diário Oficial do Estado. A plataforma atenderia à Secretaria de Segurança Pública, às Polícias Civil e Militar, bem como ao Ministério Público do estado – este último, inclusive, em agosto de 2018, contratou a “extensão de garantia dos serviços de suporte e manutenção da plataforma VIGIAELITE” por 36 meses, por mais de R$ 115 mil.

Conforme a Pública antecipou com exclusividade na última sexta-feira (20), além de Goiás, Amazonas e Abin, sete unidades da Federação, setores do Exército e da Aeronáutica e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) fecharam contratos com a Cognyte desde dezembro de 2017, quando a ferramenta foi adquirida pela primeira vez pela Abin, ainda durante o governo Michel Temer. Os contratos somaram mais de R$ 57 milhões, de acordo com os diários oficiais dos estados.

Quatro dos governos estaduais que adquiriram produtos e serviços da empresa israelense se recusaram a prestar quaisquer informações à Pública sobre a execução contratual (Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás e São Paulo).

Outros quatro estados (Alagoas, Amazonas, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) sugeriram que as informações fossem buscadas no Portal da Transparência. Porém, os endereços eletrônicos divulgam apenas os contratos, não os relatórios de execução e outros detalhes solicitados.

O governo do Pará foi o único a enviar nota de empenho, contrato e seu extrato publicado em Diário Oficial, mas não deu acesso aos relatórios de execução contratual e às notas fiscais. Assim como no caso de Goiás, os negócios foram fechados sem licitação.

Agência Pública

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