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“Calote”: PEC dos Precatórios afeta pagamento de professores da rede pública

Medida pode atrasar valores relacionados ao antigo Fundef; economista defende revogação do teto de gastos como solução

(Imagem ilustrativa/Freepik)

Texto de Cristiane Sampaio

Duramente criticada por especialistas, parlamentares de oposição e até do campo da direita liberal, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23/2021 – apelidada de “PEC dos Precatórios” – coleciona polêmicas também entre professores da rede pública de estados e municípios.

Isso porque, ao propor o parcelamento das dívidas obtidas pela União em condenações na Justiça, a medida tende a afetar o cronograma de recebimentos dos docentes de estados que venceram causas judiciais relacionadas ao antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006.

Respectivamente, os quatro estados têm direito a receber montantes de R$ 8,8 bilhões, R$ 3,9 bilhões, R$ 2,6 bilhões e R$ 219 milhões. Os valores resultam de uma revisão solicitada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e chancelada pela Corte. Parte dos recursos deverá ser destinada a professores das redes estadual e municipal por conta de uma regra criada pela Lei 14.057/2020, que garante 60% dos precatórios do Fundef para os docentes.

Ocorre que a PEC 23 estabelece um limite anual para o pagamento de todos os precatórios. A fatia de R$ 16 bilhões relacionados ao Fundef está dentro do montante de R$ 89,1 bilhões totais que a União precisa pagar no próximo ano. Mas, com o teto criado pela PEC dos Precatórios, o governo só poderia pagar R$ 41 bilhões em 2022, o que jogaria R$ 48,1 bilhões para 2023, afetando os professores.

Para a oposição, a PEC cria diferentes artifícios que prejudicam a categoria. Um deles é a possibilidade de estados ou municípios receberem os valores somente no final do exercício seguinte, com um abatimento de 40% do total. Isso pode ocorrer no caso de a União não consega repassar as verbas dentro do limite estabelecido pela PEC.

A proposta também prevê a possibilidade de o desconto ser substituído por um parcelamento da dívida em um intervalo de até dez anos. Crítica da PEC, a deputada Rosa Neide (PT-MT) destaca que a luta pelo pagamento dos precatórios relacionados aos profissionais do magistério tem caráter histórico e remete ainda aos anos 1990. Ao longo do tempo, a questão afetou principalmente docentes do Norte e do Nordeste.  

“Os professores entraram na Justiça e, hoje, depois de ganharem em todas as instâncias, está no orçamento com tudo certo para pagamento e o governo cria uma PEC querendo parcelar em dez anos o que as pessoas ficaram anos [lutando] pra conseguir? O PT entende que toda essa PEC é um calote, mas, quando a gente fala dos professores, que são os salários pequenos,  isso é muito injusto”, pontua a parlamentar.

Organizações civis que reúnem profissionais do segmento também fazem coro contra a PEC. É o caso da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que tem mobilizado as bases para pressionarem os parlamentares a rejeitarem a proposta.

A entidade está articulando caravanas que irão a Brasília na próxima semana para fazer um corpo a corpo com deputados. O presidente da confederação, Heleno Araújo, destaca que os professores dos estados do Norte e do Nordeste atuam em redes de educação estruturalmente menos favorecidas em relação ao restante do país.

“É a parte do país com menos desenvolvimento social, econômico e educacional, que tem altos índices de desigualdade e analfabetismo, baixo acesso à educação, maior número de pessoas que não concluíram a educação básica. Então, são as duas regiões que mais precisam, por isso elas recebem complementação [de verbas] da União, pra tentar buscar um equilíbrio com as outras regiões”.

Na avaliação das entidades da área, ao prejudicar os professores, a PEC do governo tende a causar um efeito dominó negativo nas respectivas redes de educação.

“Se você cria a expectativa num profissional de que ele vai receber algo que foi negado num período anterior e de repente isso não vem, há uma frustração muito grande. É claro que afeta a motivação e o rendimento deles e, por consequência, afeta os estudantes”, argumenta Araújo. “Ter a autoestima profissional elevada e ter a alegria de fazer o trabalho é importante, mas, quando lhe dão um golpe e lhe tiram essa perspectiva, é óbvio que isso tem interferência no trabalho”, acrescenta o dirigente, ao mencionar que a PEC se tornou mais um motivo de preocupação para a categoria em meio ao cenário de cortes de verbas para a educação pública. 

(Imagem ilustrativa/Freepik)
(Imagem ilustrativa/Freepik)

O que diz o governo

A tropa do governo Bolsonaro sustenta que a PEC 23 seria o único caminho para garantir espaço fiscal no orçamento e liberar verbas que possam complementar o valor a ser pago pelo Auxílio Brasil, programa que deverá suceder o auxílio emergencial a partir de novembro.

A nova política, que ainda não foi oficialmente apresentada, é alvo de controvérsia por conta das limitações orçamentárias geradas pela Emenda Constitucional 95. Em vigor desde 2017, o ajuste é conhecido como “Teto dos Gastos” e cria rígidos limites para os investimentos públicos e as políticas sociais como um todo.

Paralelamente, o governo se queixa do crescimento dos custos dos precatórios ao longo dos anos e vê no parcelamento das dívidas uma saída para a resolução da questão.  

“Em 2016, tínhamos R$ 13 bilhões em precatórios no orçamento. No ano passado, R$ 45 bilhões e, neste ano, R$ 90 bilhões. Essa curva exponencial não dialoga com o teto de gastos”, argumentou o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), durante a sessão plenária da última quinta (28).

Revogação

De acordo com o que foi ventilado pela gestão Bolsonaro, a ideia do novo programa seria pagar parcelas de R$ 400 até o final de 2022, com R$ 300 desse montante ficando abaixo do teto de gastos. O restante furaria o ajuste fiscal e, segundo as projeções do Ministério da Economia, seria coberto pela brecha orçamentária resultante da artimanha costurada pela PEC 23.

“Essa PEC não foi formatada pra abrir espaço fiscal nenhum. Ela foi feita pra salvar o Teto dos Gastos. Qual é a saída pra qualquer governo que tenha transparência e rigor técnico? A revogação do teto. Com a revogação, o governo abriria espaço pra fazer políticas sociais e investimento público. O Auxílio Brasil poderia até ser um benefício maior e para mais pessoas”, rebate o economista David Deccache, diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD).

A derrubada do ajuste fiscal vem sendo demandada por especialistas do campo progressista e pela oposição nos últimos anos por conta da asfixia imposta às políticas públicas. Com menor liberação de recursos por conta do teto, serviços e programas ofertados pelo Estado desidrataram depois que a política entrou em vigor.

A medida é defendida pelo mercado financeiro e pela ala neoliberal da política, além de ser blindada pela gestão Bolsonaro, que resiste à ideia de revogação. É nessa conjuntura que surgiu a proposta de criação do Auxílio Brasil com parte dos recursos advindos do parcelamento dos precatórios.

“É errado dizer que essa PEC é condição necessária pro pagamento do programa. Isso é uma mentira. O caminho ideal seria revogar o teto, que é uma política fiscal única no mundo. Só o Brasil adota uma aberração do tipo, que, ainda por cima, foi constitucionalizada por vinte anos”, critica Deccache, ao lembrar a duração prevista para o ajuste.

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