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Acusado de matar Bruno e Dom havia sido preso em 2019 com 200 munições de espingarda

Até aqui, acreditava-se que não havia registro policial de “Pelado” anterior aos assassinatos

Por Rubens Valente, José Medeiros

Atalaia do Norte (AM) — O pescador e caçador Amarildo da Costa de Oliveira, 41, o “Pelado”, que segundo a polícia confessou ter matado o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips e indicou onde estavam os corpos, já havia sido preso em flagrante pela Polícia Civil em 2019 pela posse de 200 cartuchos de espingarda calibre 16. Até aqui, acreditava-se que não havia registro policial de “Pelado” anterior aos assassinatos.

Amarildo da Costa Oliveira, apelidado de “Pelado” (Reprodução/TV Globo)
Amarildo da Costa Oliveira, apelidado de “Pelado” (Reprodução/TV Globo)

De acordo com o depoimento de “Pelado” sobre os assassinatos, ele utilizou uma espingarda com esse mesmo calibre para matar Bruno e Dom no dia 5 de junho. A polícia ainda procura a arma, que o pescador disse ter jogado no leito do rio Itaquaí logo depois do crime.

Agência Pública localizou na Polícia Civil de Benjamin Constant (AM), que fica a 40 minutos de carro da cidade de Atalaia do Norte (AM), o registro público da ocorrência policial que levou “Pelado” à prisão. Ele foi solto logo depois – não fica claro, na documentação, quanto tempo ele ficou na cadeia; teria sido menos de um dia, de acordo com fontes consultadas pela reportagem. A apuração também concluiu que “Pelado” não chegou a ser denunciado pelo Ministério Público pois foi excluído do relatório final da polícia. Embora tenha sido indiciado pela polícia, não houve a ratificação do indiciamento no relatório final. A Agência Pública apura os motivos dessa exclusão e, assim que o ponto ficar esclarecido, este texto será atualizado.

A prisão de “Pelado” foi feita por uma equipe da Polícia Militar de Benjamin Constant no dia 26 de fevereiro de 2019 sob acusação de infração ao artigo 12 da lei 10.826/2003.

Após embarcar “caixas de gelo” em sua canoa “com o intuito de pescar”, ele foi deixar Elismário Almeida de Alegria na casa do colega pescador, na rua 13 de Maio, quando “foi abordado pela guarnição de serviço” da PM. De lá, foi levado pela PM à sua casa, na rua Irmão Balduíno, também em Benjamin Constant.

Na residência, a PM disse ter encontrado “oito caixas de cartuchos de espingarda calibre 16, totalizando 200 cartuchos”. Não fica clara a procedência do material e “Pelado” não foi indagado sobre isso. É comum, na região, a aquisição de munições no lado peruano da fronteira com o Brasil. Em Benjamin, os países são separados apenas pelo rio Javari, um trajeto de apenas dez minutos de barco.

“Pelado” foi perguntado pela PM “qual seria a finalidade das referidas munições”. Ele respondeu, segundo o termo de depoimento que foi acompanhado pelo seu então advogado no caso, Hurigel Bruno de Araújo: “Seriam levadas para a comunidade de São Gabriel, localizado no rio Itaquaí, pertencente à cidade de Atalaia do Norte, os quais seriam usados para caçar”.

Antes do assassinato de Bruno e Dom, ‘Pelado’ foi preso em flagrante pela Polícia Civil em 2019 pela posse de 200 cartuchos de espingarda calibre 16 (Foto: Avener Prado/Agência Pública)
Antes do assassinato de Bruno e Dom, ‘Pelado’ foi preso em flagrante pela Polícia Civil em 2019 pela posse de 200 cartuchos de espingarda calibre 16 (Foto: Avener Prado/Agência Pública)

No seu interrogatório em Benjamin, “Pelado” disse ser católico, com “ensino fundamental incompleto (4ª série)” e que não fora preso ou processado anteriormente. Indagado se era “dado ao uso de bebida alcoólica”, respondeu que “sim, apenas cerveja”. Disse que tinha cinco filhos, de 19, 15, 13, dez e dois anos de idade. Embora tenha reconhecido a posse da munição e que ela seria levada para sua comunidade, ao mesmo tempo e de forma contraditória “afirmou ser inocente”.

“Pelado” disse ainda que possuía uma espingarda calibre 16, “mas que deixa a mesma na comunidade de São Gabriel, para a qual tais munições seriam levadas”. Foi dessa mesma comunidade que “Pelado” partiu de barco em perseguição a Bruno e Dom na manhã do dia 5, até alcançá-los e matá-los – segundo a polícia, ele e seu colega pescador, Jeferson Lima Silva, o “Pelado da Dinha”, agiram de forma traiçoeira ao atirar em Bruno pelas costas, sem chance de defesa às vítimas. A polícia investiga se outros membros dessa comunidade, como o irmão de “Pelado”, Oseney Oliveira, o “Dos Santos”, participaram da ocultação dos dois corpos.

Irmão de ‘Pelado’, Oseney Oliveira, o ‘Dos Santos‘ (Foto: Avener Prado/Agência Pública)
Irmão de ‘Pelado’, Oseney Oliveira, o ‘Dos Santos‘ (Foto: Avener Prado/Agência Pública)

O gestor da Polícia Civil em Benjamin Constant – cargo equivalente ao de delegado em municípios do Amazonas que não possuem delegado –, Alcy Barbosa, disse que um cartucho de espingarda calibre 16 pode ser adquirido por até R$ 5 no lado peruano da fronteira. No varejo brasileiro, o preço dessa munição pode chegar a R$ 10. Assim, pelos atuais valores brasileiros as 200 munições apreendidas com “Pelado” custariam até R$ 2 mil. Barbosa não estava lotado na cidade na época de “Pelado” e por isso não tinha informações sobre o registro nem explicação sobre o pescador não ter sido denunciado pelo Ministério Público ao término do inquérito.

O delegado da Polícia Civil em Atalaia do Norte, Alex Perez, disse à Agência Pública que “existe um inquérito instaurado em Benjamin Constant no qual ele [“Pelado”] inicialmente tinha sido indiciado por apreensão de cartuchos”. “Mas não sei o motivo pelo qual ele não foi incluído no relatório final do delegado ou do gestor de lá. E juntamente com o promotor fomos analisar. Só que no relatório final ele [“Pelado”] não entrou… não foi ratificado o indiciamento. Mas ele foi [sim] investigado por participação nessa situação.”

O advogado Hurigel Bruno de Araújo, que defendeu “Pelado” na prisão em flagrante, disse que atuou até a soltura do pescador e não se recorda de detalhes do processo. Afirmou que “não gostaria de comentar o conteúdo do processo” por “questões profissionais”, mas reconheceu que o processo é público. “Faz tanto tempo que não me lembro mais desse caso. Fui chamado para socorrer ele no flagrante e ele foi posto em liberdade e desde esse dia eu não vi mais ele, não tive mais contato. Eu trabalho em Tabatinga e ele mora em Atalaia do Norte, salvo engano, numa comunidade, e não tive mais contato.”

“Na realidade [não] me chamaram nem para advogar para ele, foi para advogar para uma outra pessoa e ele estava lá, pediu ajuda. Não foi especificamente para ele. Eu tomei pé da situação lá, mas não era exclusivamente para ele, não, entendeu? Envolvia outras pessoas que foram presas e ele estava lá no flagrante”, disse o advogado.

O especial Vale do Javari — terra de conflitos e crime organizado é uma série de reportagens da Agência Pública com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund (Amazon RJF) em parceria com o Pulitzer Center

Agência Pública

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