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Investigada por fake news, Kicis contratou serviços de mídias sociais de apoiadores do governo

Militante do movimento Nas Ruas, marqueteiro do Aliança pelo Brasil e suplente de vereador pró-Bolsonaro estão entre os que receberam R$ 24,4 mil de verba parlamentar, de acordo com as notas fiscais obtidas pela Pública

Por Alice Maciel, Ethel Rudnitzki

Em março e abril, três empresas recém-fundadas foram contratadas pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), em Brasília, para cuidar de suas redes sociais. As três foram abertas tendo como primeira cliente a deputada federal, alvo do inquérito sobre as fake news no Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse período, como apurou a reportagem, Kicis disseminou, em suas redes sociais, notícias comprovadamente falsas e/ou distorcidas sobre o combate ao coronavírus e contra adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), participando ainda da convocação de pessoas para as manifestações antidemocráticas e anti-isolamento social, investigadas pelo STF desde abril. Os serviços dessas empresas são pagos com verba parlamentar, ou seja, com dinheiro público.

Uma delas é a Inclutech Tecnologia, que, conforme mostrou reportagem da Agência Pública, pertence a Sérgio Lima, marqueteiro do Aliança pelo Brasil – partido de Bolsonaro, ainda em formação. Até fevereiro, a Inclutech era uma empresa de cosméticos, mas sua atividade econômica foi alterada para prestar serviços publicitários e, segundo afirmou Lima à Pública naquela reportagem, Bia Kicis foi sua primeira cliente depois da mudança de ramo da empresa.

A parlamentar bolsonarista também foi a primeira e única cliente da Produtora Futuro e da BM Gestão de Mídia Sociais, criadas em janeiro e março, respectivamente. As duas são de Cornélio Procópio, um município do interior do Paraná com 47,8 mil habitantes – segundo estimativa do IBGE de 2019. A deputada, que nasceu no Rio, foi eleita pelo Distrito Federal.

A BM Gestão de Mídia Sociais foi registrada em nome de Lindara da Silva, que, segundo ela, é sogra do verdadeiro dono do negócio, Humberto Bernardino da Silva, conhecido como Beto Morato, filiado ao MDB desde 1985 e militante do movimento Nas Ruas. “É meu genro, né? Eu só abri a conta pra ele, mas eu não trabalho não [na empresa], ele que faz o serviço pra ela [Bia Kicis]”, contou Lindara. “Para ele ter uma conta para receber, eu tive que abrir [uma] no meu nome, porque no momento ele não está tendo condições de ser no nome dele”, disse.

De acordo com Lindara, Morato não poderia abrir empresa em seu nome por questões financeiras. No entanto, a Pública apurou que ele tem um negócio de produção musical desde 2012 – a Beto Morato Produções – em sociedade com sua esposa, Jane Teodoro da Silva.

A Pública tentou diversas vezes contato com Beto Morato, por meio de Lindara, que disse que pediria para ele ligar para a reportagem, mas não houve retorno. Também enviamos e-mails e mensagem no Facebook dele, sem resposta. No seu perfil na rede social constava que ele passou a cuidar das redes sociais de Bia Kicis em 10 de junho de 2018, mas só em março deste ano foi oficialmente contratado pelo gabinete da deputada por meio da recém-criada BM Gestão de Mídia Sociais.

A deputada Bia Kicis (PSL) é alvo do inquérito das fake news, que investiga a participação de organizações e pessoas na produção e divulgação em massa de notícias falsas (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)
A deputada Bia Kicis (PSL) é alvo do inquérito das fake news, que investiga a participação de organizações e pessoas na produção e divulgação em massa de notícias falsas (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

Bia Kicis afirmou por meio de sua assessoria que Morato trabalhava voluntariamente para ela, “em continuidade ao apoio à atuação anterior” à sua eleição. “No início de 2020, após comprovada excelência do trabalho realizado pelo profissional – o que se comprova pelo reconhecimento do desempenho da parlamentar, que ocupa o 3º lugar do FSB Influência Congresso – nada mais natural e necessário do que a contratação formal dos serviços”, justificou. Ela confirmou que os serviços são feitos remotamente e não nas dependências do seu gabinete. Sobre a Inclutech Tecnologia, a ex-empresa de cosméticos, a deputada disse que ela foi contratada por um mês – por R$ 6,4 mil – “para realização de trabalho específico de marketing”, sem fornecer mais detalhes.

A deputada contou ainda que foi Beto Morato quem lhe indicou os serviços de Izael Tomaz, dono da Produtora Futuro. Ele também abriu novo CNPJ para a prestação de serviços à deputada. Antes teve uma empresa de mesmo nome – Produtora Futuro – baixada na Receita Federal que fazia ensaios fotográficos.

Tomaz é suplente de vereador em Cornélio Procópio pelo PSDC. O partido, no município, fez coligação com o PSL e elegeu o prefeito Amin Hannouche (PSDB-PR), que está atuando na coleta de assinaturas para a criação do Aliança pelo Brasil no Paraná. Em 19 de fevereiro, foi organizado um “mutirão” de assinaturas para a fundação do partido em Cornélio Procópio. Um ônibus com a foto do presidente Jair Bolsonaro e do deputado federal pelo Paraná Filipe Barros (PSL-Aliança) foi estacionado no calçadão central da cidade. Um mês antes, o parlamentar, acompanhado do prefeito Hannouche, esteve em cidades próximas para a coleta de assinaturas para o partido em formação.

Banner de evento para coleta de assinaturas do Aliança Pelo Brasil em Cornélio Procópio (Foto: Reprodução/ Facebook)
Banner de evento para coleta de assinaturas do Aliança Pelo Brasil em Cornélio Procópio
(Foto: Reprodução/ Facebook)

Questionado pelo Facebook e procurado por telefone, Tomaz não respondeu à reportagem a respeito dos serviços prestados para a deputada Bia Kicis nem sobre suas relações políticas com o Aliança pelo Brasil. Assim como Morato, ele fechou suas redes sociais após o contato da Pública.

Prefeito de Cornélio Procópio, com Filipe Barros e apoiadores em evento pela criação do Aliança Pelo Brasil no Paraná (Foto: Reprodução)
Prefeito de Cornélio Procópio, com Filipe Barros e apoiadores em evento pela criação do Aliança Pelo Brasil no Paraná (Foto: Reprodução)

Gestão de mídias sociais

A descrição dos serviços prestados pelas duas empresas de Cornélio Procópio está nas notas fiscais – números 01, 02 e 03 – apresentadas na prestação de contas da Câmara dos Deputados. A numeração revela ser a parlamentar a primeira e única cliente dessas empresas. De acordo com as notas, a empresa de Beto Morato recebeu R$ 12 mil durante março e abril para a gestão das mídias sociais da deputada federal e criação, produção, edição, montagem e publicação de vídeos e banners no Facebook, Twitter, Instagram e no canal de Bia Kicis no YouTube. Os mesmos serviços foram prestados pela Produtora Futuro por R$ 6 mil, ou R$ 2 mil por mês, de fevereiro a abril deste ano – as notas de maio ainda não foram lançadas pela deputada no site da Câmara.

De acordo com Bia Kicis, a empresa de Beto Morato é responsável pela criação de conteúdo audiovisual e consultoria de marketing, enquanto a Produtora Futuro auxilia no gerenciamento da rede social, mantém e organiza as informações específicas do canal, interage com os leitores, dando retornos predefinidos por ela a possíveis perguntas dos usuários da página, monitora o engajamento do público e produz relatórios simples mensais baseados nos resultados apresentados pela própria plataforma.

Também com Zambelli

Antes de prestar serviços para Bia Kicis, Beto Morato trabalhou para a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), também investigada pelo mesmo inquérito do STF. Morato trabalhou com Zambelli antes de ela se eleger deputada, de 3 agosto de 2015 a 5 de junho de 2018. Nesse período ela liderava o movimento Nas Ruas. Foi creditado a ele, pelo próprio movimento, a edição de um vídeo apócrifo contra a deputada federal Gleisi Hoffmann postado na página do Nas Ruas em setembro de 2016.

No vídeo com título “Gleisi Pepa Pig Hoffmann é trollada hoje por Carla Zambelli de novo”, aparece esta dizendo que a deputada federal do PT iria para a cadeia. “A gente vai te colocar na cadeia tá, Gleisi. Logo, logo você vai virar ré”, diz a militante no vídeo. A edição foi compartilhada por Bia Kicis no Twitter.

As deputadas Bia Kicis (PSL) e Carla Zambelli (PSL) contrataram os serviços de marketing de Beto Morato, militante do movimento Nas Ruas (Fotos: Luis Macedo e Michel Jesus/Câmara dos Deputados)
As deputadas Bia Kicis (PSL) e Carla Zambelli (PSL) contrataram os serviços de marketing de Beto Morato, militante do movimento Nas Ruas (Fotos: Luis Macedo e Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

Reportagem originalmente publicada na Agência Pública

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